Bigu e Clotilde estão no quintal, deitados, porém acordados.
Eles ouvem um barulho.
Clotilde diz:
– Está vindo alguém.
Bigu fareja e responde:
– Pelos cheiros é o Bernardo e a Isabela.
Ele estava certo.
As crianças chegam no fundo da casa e sentam no degrau da lavanderia.
Os cachorros estranham que as crianças não fizeram aquela bagunça de sempre.
Clotilde e Bigu se entreolham.
Clotilde chega pertinho da Isa e pergunta:
– Tudo bom, Isa?
Ela responde sem muita empolgação:
– Tudo.
Clotilde e Bigu se olham novamente.
Bigu aproxima do Bernardo e diz:
– E com você, Bedico, tudo bom?
Bernardo coloca os cotovelos nos joelhos, apoia o queixo nas mãos e diz, também sem empolgação:
– Tudo.
Xiiiiii, a situação parece ser grave.
Bigu pergunta:
– Querem brincar de alguma coisa?
Isabela diz:
– Agora não.
Clotilde fala para o Bernardo:
– E você, quer jogar bolinha para o Bigu?
Bernardo faz carinho de leve na cabeça do Bigu e diz:
– Outra hora, tá bom Bigu?
Bigu e Clotilde se olham novamente.
Ninguém dá uma palavra nos 3 minutos seguintes, até que de repente:
– Ahhhhhhhhhh chega – grita Clotilde.
Isabela, Bernardo e até o Bigu se assustam.
Bigu diz:
– O que foi, Clotilde, eu tava quase dormindo.
Irritada, Clotilde diz:
– Vocês estão me deixando louca com esse silêncio de vocês. O que está acontecendo? Vocês não são assim.
Isabela diz:
– É que a gente tá entediado.
Bigu se anima:
– Então vamos brincar de bolinha que vocês ficam felizes.
– Você fica feliz né – corrige Clotilde.
Bernardo cruza os braços e faz cara de emburrado:
– Eu não quero brincar de bolinha de novo Bigu.
Os cachorros voltam a não entender nada.
Isabela explica:
– É que a gente queria brincar lá fora, com nossos amigos. Estamos com saudade deles.
– E por que não vão? – responde Clotilde.
Bernardo responde, ainda com cara de emburrado:
– É por causa do Coronavírus, humpf.
Bigu, confuso, diz:
– O que é caronavírus?
Isabela sorri discretamente.
– Não é caronavírus, é Coronavírus. É uma doença muito chata que não deixa a gente brincar com nossos amigos e nem ir para a escola, porque a gente pode ficar muito doente.
Clotilde se espanta:
– Como assim não pode ir para a escola? Você não vai mais poder ver sua prô que você gosta tanto?
– Faz tempo que não to indo para a escola, Clo. Eu vejo a pro só pelo computador.
Bernardo diz, ainda emburrado e levantando um pouco a voz:
– É, e eu que mal comecei a ir para a escola e já tive que sair, humpf.
– Você saiu da escola, Be? – perguntou Bigu.
– SIM – respondeu o irritado Bernardo.
Clotilde fica pensativa e diz:
– Nossa, mas essa doença parece ser bem perigosa… Ah, Isa, mas pelo menos você não fica com saudade da prô. Você vê ela pelo computador.
– É eu vejo, mas não é a mesma coisa. Eu gosto de ficar pertinho dela o tempo todo na aula.
Clotilde chega pertinho da Isa, roça a cabeça nela e diz:
– Entendi. Mas, vocês não podem ficar assim tão tristinhos.
Isa diz:
– Eu sei, é que a gente não pode fazer nada.
Bigu diz:
– Isso não é verdade.
Clotilde olha feio para ele.
– Ninguém aguenta mais brincar com sua bolinha Bigu, desiste.
– Poxa, mas nem era isso que eu ia falar. Não precisa magoar.
Isabela sorri:
– Não briga assim com ele, Clo. Mas, como assim Bigu, o que a gente pode fazer?
Bigu responde:
– Tanta coisa. Qualquer coisa. Tudo pode virar brincadeira.
Bernardo fica curioso:
– Como o que?
– Sei lá. Jogar bolinha, por exemplo.
As crianças se olham.
Bigu sorri e diz:
– Brincadeira. Mas, pode ser qualquer coisa mesmo. Vocês podem imaginar que são astronautas, ou caçadores, ou de pega pega. Brincar de colocar prendedor de roupa no cabelo ou na ponta dos dedos e fingir que vocês tem garras. Enfim, mais um monte de coisas. Tudo pode virar brincadeira.
Bernardo diz, um pouco mais animado:
– É verdade. Podemos pegar algo redondo e fingir que é o volante do carro e estamos dirigindo.
– Isso, verdade – diz Bigu.
Clotilde parece impressionada com o amigo.
– Caramba, Bigu, como você tem tanta ideia boa?
Bigu diz, cheio de orgulho:
– É que sou bom nisso. Sabem o que eu mais gosto de fazer na vida?
Os três respondem juntos:
– Brincar de bolinha!
– Ai é que vocês se enganam. O que eu mais gosto de fazer no mundo é passar tempo com meus donos, ou seja, com a Isa e com o Bedico. Mas, não é sempre que estão aqui. As vezes, vão para a escola, saem para passear, estão ocupados… Aí eu fico inventando coisas para passar o tempo de forma divertida. Até ficar tentando morder o meu próprio rabo eu fico.
– É verdade, ele fica mesmo – diz Clotilde.
Isabela diz:
– Entendi! Meu pai diz que mesmo que a gente esteja num lugar que a gente não gosta muito, temos que procurar aproveitar o tempo da melhor forma possível, que pelo menos a gente se diverte e parece que o tempo passa mais rápido e feliz.
Bigu diz:
– Seu pai falou isso?
– Sim, uma vez a gente estava em uma festa que a música estava muito alta. E eu não gosto.
– Nem eu – disse Bernardo.
– Aí eu estava chateada, querendo ir embora para casa. Meu pai veio tentar me animar. Eu disse que não queria fazer nada e que ia ficar esperando acabar para podermos ir embora. Ele me perguntou se não era muito chato ficar ali parada, sem fazer nada e ainda ouvindo música alta. Eu disse que era. Aí ele disse que se eu e meu irmão começássemos a brincar de algo o tempo ia passar mais rápido, a gente ia esquecer um pouco da música e iríamos nos divertir.
– E o que aconteceu? – perguntou Clotilde.
– A gente começou a brincar, logo depois chegaram nossas primas e brincamos ainda mais. Até esquecemos que não gostávamos de música alta e dançamos um pouco.
Bernardo diz:
– É verdade. Eu dancei assim oh…
E começou a dançar.
Todos deram risada e começaram a cantar e dançar.